Marcus Alban: O Brasil não é a China.

Os anos 1980 foram a década perdida, onde a inflação impedia qualquer cálculo econômico. Nos anos 1990, o Plano Real restaurou a estabilidade, recolocando as condições para a análise de investimentos. Pensava-se então que o Brasil retomaria o seu vigoroso processo crescimento, o que não ocorreu. Entre 1990 e 2010, tomando-se por base os dados da Penn World Table, o Brasil cresceu apenas 79,7%, o que equivale a meros 2,9% ao ano.

Esse baixo desempenho não foi consequência de um cenário internacional adverso. Ao contrário, na média, este foi muito positivo. Tanto que diversos países emergentes apresentaram taxas espetaculares. O exemplo maior é obviamente a China, que cresceu 422,2%, conformando uma média anual de 8,6%. Com isso, o PIB da China que em 1990 era de 2,1 vezes o do Brasil, alcançou em 2010 a marca de 6,1 vezes, e até o final deste ano deve equivaler a 7,6 vezes.

Como a economia chinesa conseguiu ser tão dinâmica, enquanto o Brasil seguiu "de lado"? Para muitos, tudo decorre de sua mão obra barata. Essa pode ter sido a razão primária, mas na atualidade, quando a China cada vez mais produz e exporta produtos de altíssima qualidade e tecnologia, não parece ser o caso. Para outros, a razão encontra-se no sistema ditatorial, que permite elevadas taxas de investimento. Essa razão, contudo, também não parece ser mais o caso. De fato, ao menos nas décadas recentes, boa parte do investimento chinês não é estatal, mas sim privado e multinacional.

Mas se é assim, por que a China cresce e se desenvolve de maneira tão mais intensa que o Brasil? A resposta fundamental está no câmbio. Por ter uma gigantesca população,o que a torna carente de recursos naturais, a China pós-Mao Tse-tung nunca se deu ao luxo de ter um câmbio valorizado. Ao contrário, com um câmbio sempre relativamente desvalorizado, ou talvez melhor, competitivo, a China foi, não só conquistando crescentes mercados internacionais, como simultaneamente ampliando e qualificando a sua base produtiva. Nesse processo foi atraindo capitais, com tecnologias cada vez mais  avançadas, de todos os cantos do mundo.

Enquanto isso no Brasil, valendo-se de crescentes exportações de bens primários, sobretudo para a China, optou-se por elevar de forma populista a renda dos trabalhador através de uma crescente valorização do câmbio. Só para se ter uma ideia da magnitude desse processo, se pegarmos a evolução das taxas de câmbio, também de acordo com a Penn World, veremos que entre 1995 e 2010 o Real ficou 136,5% mais caro que o Yuan. Isso significa que, so com câmbio independentemente dos ganhos de produtividade que se seguiram, os produtos chineses ficaram 57,7% mais baratos que os brasileiros.

Com esse processo tornou-se crescentemente inviável a produção de bens industrializados no Brasil, o que explica a nossa acelerada desindustrialização –inclusive da nossa indústria turística. A produção local voltou-se cada vez mais para bens primários, demandados por mercados externos, e para serviços não-comercializáveis, cada vez mais caros. Assim, não por acaso, como demonstra o índice da "The Economist", um Big Mac no Brasil custa o dobro do que custa na China.

Num contexto como esse, pensar em investimentos para aumentar a produtividade e competitividade não faz sentido. Com esse câmbio, salvo em alguns poucos produtos, é impossível ser competitivo.É preciso, portanto, mexer no câmbio.

É preciso desvalorizar o Real. Mas isso precisa ser feito de maneira muito gradual, através de uma redução também gradual da taxa de juros. Sendo gradual, o aumento do preço dos importados, em lugar de acelerar a inflação –como ocorreu na açodada redução de juros da presidente Dilma–, pode ser compensado por uma nova e competitiva expansão da base produtiva local. 

Esse é o caminho do crescimento. Se não o seguirmos, melhor começarmos a aprender mandarim.

MARCUS ALBAN, 56, é engenheiro, doutor em Economia pela USP e professor da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia

 

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